Dom Paulo Sérgio Machado
Bispo Diocesano de São Carlos/SP
Estamos vivendo o Ano Sacerdotal convocado pelo Papa Bento XVI, motivados pela celebração do sesquicentenário do “dies natalis” de São João Maria Vianney, patrono dos sacerdotes. A intenção do Santo padre visa, em primeiro lugar, a renovação interior dos sacerdotes, afim de serem testemunhas vivas do Evangelho no mundo atual.
A Igreja Católica, mais uma vez, se volta para a figura do Padre, descobrindo nela a “pedra de toque” através da qual se pode chegar a uma nova imagem de Igreja preconizada pelo Concilio Vaticano II e que, em muitos lugares, ainda não saiu do papel. A eclesiologia do Vaticano II reassumiu a imagem de uma Igreja Povo de Deus, abandonando a velha eclesiologia que se sustentava na hierarquia. A primeira enfatiza o múnus (serviço), enquanto a segunda reforçava a ideia do poder.
As vocações dos últimos anos se encontram, em maior número – para não dizer totalidade – nas sociais mais baixas. E isso se explica, inclusive, pelo numero de filhos, muito maior no meio pobre do que na classe chamada “alta”, onde se aplica a máxima “se pudesse, teria meio filho”. Li, a propósito, há alguns anos, um artigo assinado pelo padre Alberto Antoniazzi (de saudosa memória) em que ele tratava da “morenização” do clero brasileiro. Ele aliava a classe à raça. A vocação, além de surgir no meio mais pobre, se desenvolvia mais entre negros e mulatos.
E daí? Talvez alguns poderiam indagar. E daí pode acontecer com os futuros padres o que já acontece com os jogadores de futebol: a mudança de classe. Entra em campo o “status”, que não é nome de jogador, mas que tema a importância de um jogador valorizado que hoje joga na Europa. Saído de um meio pobre, onde a bola ainda era de pano e, de repente, se vê num grande clube europeu. Há uma mudança brusca de “status”. Quem mal tinha um carrinho de plástico agora se vê com dinheiro suficiente para comprar uma “mercedes". “Mutatis mutandis”, o seminarista pobre que se vestia mal, que não tinha onde morar, que andava de “coletivo”, agora padre, tem uma big casa, um carro, empregados, amigos ricos, bom salário...
Aí a vocação vira profissão. A ponto de ouvir de padre que teve que deixar a paróquia dizer: “agora estou desempregado!”. Na sociedade capitalista, a profissão se mede pelo critério maior da remuneração econômica. Junto com salários vêm o poder e glória, o sucesso, a aparência, o prestígio. A vocação, ao contrário, se nutre da gratuidade, da motivação interior, da busca de algo mais dentro de nós.
Nos desencontros entre vocação e profissão, o padre deixa de ter uma missão “full time” que o ocupa 24 horas por dia para ser o padre de “fim de semana”. Não é difícil encontrar padre que diz: “Sou padre quando estou na igreja”. Aí acontece um fenômeno que se pode observar hoje no “interior” da Igreja e que se caracteriza pelo que podemos chamar de “terceirização das funções”. Basta visitar uma paróquia e observar as funções religiosas: algumas missas foram substituídas por “Celebrações da Palavra”; as exéquias são realizadas por leigos; os batizados e casamentos, feitos pelos diáconos; a comunhão, distribuída pelos ministros... O padre é pouco – ou quase nada – visto na Igreja.
O povo quer ver o padre. Quer a Missa e não o “culto”; quer o casamento “assistido” pelo padre; quer que o batismo do filho (neto) seja feito pelo padre; quer a presença do padre nos velórios... O povo tem o padre em alta estima. Gosta do padre e não quer vê-lo substituído.
E o padre, por sua vez, não percebe que está se tornando supérfluo, substituível. Chegará o momento em que sua ausência não será sentida. Nos velórios, por exemplo, a presença do padre é muito importante. Sabemos que, às vezes, não dá para celebrar uma missa de corpo presente, mas a presença do padre junto à família é muito significativa. Afinal, o luto não é do defunto, é da família.
E o futuro? Anuncia-se plural. Permanece forte a tendência clericalista. Com a valorização do poder sagrado da ordenação, o sacerdote se pensa, se prepara e atua em função do poder. A sua dinâmica o vincula à instituição que representa e não tanto ao povo a quem serve. Perde-se a intuição do Vaticano II da precedência do Povo de Deus em relação à hierarquia.
É tempo de se repensar a figura do padre. Antes que seja tarde.
FONTE: Diocese de São Carlos/SP
Bispo Diocesano de São Carlos/SP
Estamos vivendo o Ano Sacerdotal convocado pelo Papa Bento XVI, motivados pela celebração do sesquicentenário do “dies natalis” de São João Maria Vianney, patrono dos sacerdotes. A intenção do Santo padre visa, em primeiro lugar, a renovação interior dos sacerdotes, afim de serem testemunhas vivas do Evangelho no mundo atual.
A Igreja Católica, mais uma vez, se volta para a figura do Padre, descobrindo nela a “pedra de toque” através da qual se pode chegar a uma nova imagem de Igreja preconizada pelo Concilio Vaticano II e que, em muitos lugares, ainda não saiu do papel. A eclesiologia do Vaticano II reassumiu a imagem de uma Igreja Povo de Deus, abandonando a velha eclesiologia que se sustentava na hierarquia. A primeira enfatiza o múnus (serviço), enquanto a segunda reforçava a ideia do poder.
As vocações dos últimos anos se encontram, em maior número – para não dizer totalidade – nas sociais mais baixas. E isso se explica, inclusive, pelo numero de filhos, muito maior no meio pobre do que na classe chamada “alta”, onde se aplica a máxima “se pudesse, teria meio filho”. Li, a propósito, há alguns anos, um artigo assinado pelo padre Alberto Antoniazzi (de saudosa memória) em que ele tratava da “morenização” do clero brasileiro. Ele aliava a classe à raça. A vocação, além de surgir no meio mais pobre, se desenvolvia mais entre negros e mulatos.
E daí? Talvez alguns poderiam indagar. E daí pode acontecer com os futuros padres o que já acontece com os jogadores de futebol: a mudança de classe. Entra em campo o “status”, que não é nome de jogador, mas que tema a importância de um jogador valorizado que hoje joga na Europa. Saído de um meio pobre, onde a bola ainda era de pano e, de repente, se vê num grande clube europeu. Há uma mudança brusca de “status”. Quem mal tinha um carrinho de plástico agora se vê com dinheiro suficiente para comprar uma “mercedes". “Mutatis mutandis”, o seminarista pobre que se vestia mal, que não tinha onde morar, que andava de “coletivo”, agora padre, tem uma big casa, um carro, empregados, amigos ricos, bom salário...
Aí a vocação vira profissão. A ponto de ouvir de padre que teve que deixar a paróquia dizer: “agora estou desempregado!”. Na sociedade capitalista, a profissão se mede pelo critério maior da remuneração econômica. Junto com salários vêm o poder e glória, o sucesso, a aparência, o prestígio. A vocação, ao contrário, se nutre da gratuidade, da motivação interior, da busca de algo mais dentro de nós.
Nos desencontros entre vocação e profissão, o padre deixa de ter uma missão “full time” que o ocupa 24 horas por dia para ser o padre de “fim de semana”. Não é difícil encontrar padre que diz: “Sou padre quando estou na igreja”. Aí acontece um fenômeno que se pode observar hoje no “interior” da Igreja e que se caracteriza pelo que podemos chamar de “terceirização das funções”. Basta visitar uma paróquia e observar as funções religiosas: algumas missas foram substituídas por “Celebrações da Palavra”; as exéquias são realizadas por leigos; os batizados e casamentos, feitos pelos diáconos; a comunhão, distribuída pelos ministros... O padre é pouco – ou quase nada – visto na Igreja.
O povo quer ver o padre. Quer a Missa e não o “culto”; quer o casamento “assistido” pelo padre; quer que o batismo do filho (neto) seja feito pelo padre; quer a presença do padre nos velórios... O povo tem o padre em alta estima. Gosta do padre e não quer vê-lo substituído.
E o padre, por sua vez, não percebe que está se tornando supérfluo, substituível. Chegará o momento em que sua ausência não será sentida. Nos velórios, por exemplo, a presença do padre é muito importante. Sabemos que, às vezes, não dá para celebrar uma missa de corpo presente, mas a presença do padre junto à família é muito significativa. Afinal, o luto não é do defunto, é da família.
E o futuro? Anuncia-se plural. Permanece forte a tendência clericalista. Com a valorização do poder sagrado da ordenação, o sacerdote se pensa, se prepara e atua em função do poder. A sua dinâmica o vincula à instituição que representa e não tanto ao povo a quem serve. Perde-se a intuição do Vaticano II da precedência do Povo de Deus em relação à hierarquia.
É tempo de se repensar a figura do padre. Antes que seja tarde.
FONTE: Diocese de São Carlos/SP
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